domingo, 4 de agosto de 2013

Personagem


 
Teu nome é quase indiferente

e nem teu rosto mais me inquieta.

A arte de amar é exactamente

a de se ser poeta.

 

Para pensar em ti, me basta

o próprio amor que por ti sinto:

és a ideia, serena e casta,

nutrida do enigma do instinto.

 

O lugar da tua presença

é um deserto, entre variedades:

mas nesse deserto é que pensa

o olhar de todas as saudades.

 

Meus sonhos viajam rumos tristes

e, no seu profundo universo,

tu, sem forma e sem nome, existes,

silêncio, obscuro, disperso.

 

Teu corpo, e teu rosto, e teu nome,

teu coração, tua existência,

tudo - o espaço evita e consome:

e eu só conheço a tua ausência.

 

Eu só conheço o que não vejo.

E, nesse abismo do meu sonho,

alheia a todo outro desejo,

me decomponho e recomponho.
 
 
                                         Cecília Meireles

 

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